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terça-feira, 26 de junho de 2012

ASAS DE FERRO E O INESPERADO HABITANTE DA TOCA DA TIQUARA



     Quero aproveitar uma discussão atual no meio espeleológico para apresentar mais uma das fantásticas cavernas que temos em Campo Formoso - BA.  (A Toca da Tiquara).

    A discussão que está ocorrendo é devido a notícia que saiu recentemente ( MAIO/2012 ) em uma das mais conceituadas revistas científicas do mundo a - NATURE - 

    A notícia publicada em um artigo da Nature versa sobre um pequeno invertebrado que é capaz de depositar cristais de ferro em suas asas, único caso conhecido no planeta. A descoberta foi feita pelo Prof. Rodrigo Lopes da Universidade Federal de Lavras(UFLA)

    No artigo Rodrigo diz que enviou  indivíduos da espécie conhecida como Psyllipsocus yucatan coletadas em uma caverna  para especialistas na Suíça confirmarem o fenômeno, em uma parceria entre a UFLA do Brasil e o Museu de Genebra da Suiça. A discussão que está acontecendo é sobre a coleta de grande quantidade de indivíduos no ambiente cavernícola que é tido como frágil e principalmente  sobre as possibilidades dos desdobramentos e dos benefícios dessa interessante descoberta para estudos biônicos sejam realizados na Europa.

  Discussão a parte,  advinha onde foi encontrado o tal inseto? pois é , ele foi encontrado na Toca da Tiquara em Campo Formoso.


O distrito de Tiquara fica a 25 km da sede de Campo Formoso, chegando lá próximo ao colégio municipal de Tiquara está a fazenda que abriga a Toca da Tiquara, que já foi conhecida como buraco d'agua, e que foi fonte de extração de salitre para fabricação de pólvora durante a 2ª guerra mundial. Depois de passar por uma plantação de Sisal, avistamos uma pequena dolina (depressão no terreno) e podemos deslumbrar o afloramento calcário.


Foto retirada do Artigo da Nature mostrando uma visão geral do afloramento rochoso da toca da Tiquara.

    Seguindo em direção ao afloramento nos deparamos com as duas entradas da caverna, uma com cerca de 2 m de altura e a outra com pouco mais de 70 cm. que atualmente se encontra protegida por uma grade!



As entradas da Toca da Tiquara. Embaixo a esquerda uma das primeiras expedições do grupo caactusespeleo ainda de forma artesanal com capacete de pedreiro e lanterna de armazém em 2006. Rangel Carvalho, Gutierrez, Paulo Henrique Mota e André Vieira.
Uma visão da entrada principal por dentro da caverna. Uma visita com os calouros da UNEB em 2008.



Essa foto é uma das minhas relíquias : primeira expedição pra pesquisa e coleta de invertebrados na toca da Tiquara, para minha monografia. Estamos no salão da caverna conhecido como "chapéu de duende" agachado André Vieira, Joyce Muricy e Helder Dourado e em pé Diogo Rios. 


    Em uma das entradas da caverna  encontram se pinturas rupestres, que foram estudadas na década de 40 pelo pesquisador Carlos Ott.
Uma das pinturas rupestres encontradas na Toca da Tiquara que ainda não estão degradadas, pois, muitas se encontram pichadas.

    Mas, o desenvolvimento principal da caverna que chega a 600m se dá pela entrada mais baixa, depois de andar agachado por um ou dois metros caminhamos por um caminho estreito até deparar com uma pequena cortina de calcário e um abismo no chão, chegamos a um ponto em que caverna se alarga em seguida podemos observar famoso salão do chapéu de duende. que é um espeleotema artificial, foi esculpido pelos antigos mineradores em busca do salitre.
espeleotema conhecido como chapéu de duende
    Infelizmente a caverna é muito degradada, muitas marcas de inúmeras visitas mal educadas, como lixo e pichações por toda a a parede e teto de alguns salões. No salão chapéu de duendes a caverna se bifurca em dois ramos o da esquerda tem passagens de difícil acesso leva ao salão mais ornamentado da caverna. o salão das torres, e o da direita leva a uma ressurgência do lençol freático.


Mapa digitalizado da Toca da Tiquara. Retirado da Revista o Carste de 1996.


Salão das torres, é o salão mais ornamentado da Toca da Tiquara, e também o que tem maior dificuldade de acesso.
Marcelo Vieira se refrescando na ressurgência que marca o final da caverna.

 Um pouco sobre a biologia subterrânea:
Simplificadamente os animais cavernícolas são classificados em 3 grupos: Troglófilo, Trogloxenos e Troglóbios.  
Os troglófilo podem completar seu ciclo de vida ( nascer, crescer se reproduzir) tanto dentro da caverna quanto fora, e por isso são encontrados tanto no ambiente externo quanto dentro das cavernas. é o caso da maioria das aranhas, grilos e traças;
Os troglóxenos estão adaptados para o ambiente externo, mas utiliza as cavernas para completar o seu ciclo de vida, geralmente é um local para abrigo e reprodução da espécie, o exemplo clássico é o do morcego; Já os Troglóbios, têm adaptações exclusivas para o ambiente cavernícola, e por isso a maioria deles são encontrados apenas dentro das cavernas; são raros e muito importantes para o estudo da evolução e da ecologia e por isso cavernas que possuem algum animal troglóbio são legalmente protegidas. As adaptações exclusivas dos troglóbios envolve a ausência de pigmentação e redução dos olhos, assim como, alongamento de apêndices como patas e antenas. Os exemplos mais conhecidos de troglóbios no mundo são os peixes cegos e uma salamandra que existe nas caverna da Europa conhecida como Proteus;



Um espeleologo segurando uma salamandra troglóbia em uma caverna da Boznia e o detalhe da cabeça da salamandra mostrando tanto a ausência de olhos como a total despigmentação do animal.

E nas cavernas de Campo Formoso quais são os troglóbios que são encontrados ? A mais famosa Caverna Campoformosense, a TBV abriga uma traça troglóbia; as traças fazem parte de um grupo de invertebrados conhecidos como Thysanura (Zygentoma) vejam abaixo a diferença entre os Thysanuros comuns que ocorrem tanto em cavernas como em nossas casas, com a Thysanuro troglóbio da TBV.


Na esquerda temos a fotografia de um exemplar comum de traça: Lepisma da famíla Lepismastidae que são muito encontradas em cavernas, mas, que também são frequentes em outros ambientes. A direita temos a traça troglóbia uma Coletinia da família Nicoletiidae, essa é encontrada apenas em Cavernas, a foto foi tirada na Toca da Barriguda mas temos registro dela na Toca da Boa Vista  e também na Toca da Tiquara reparem no corpo delgado e os apêndices alongados comparados com sua parente troglófila bem mais robusta e corada.

   Outro troglóbio comum nas cavernas de Campo Formoso que são alagadas como acontece  na Tiquara e na Toca do Convento é um tipo de camarão conhecido como Anfípoda.
O anfípoda troglóbio muito comum nas cavernas da Bahia, da espécie Speleogammarus trajanoi, esse exemplar fotografei na Toca da Tiquara.

     Os troglóbios não são os únicos animais incomuns encontrados em cavernas, também encontramos muitos aracnídeos bizarros que estão bem ambientados ao meio subterrâneo. Como por exemplos: os Amblipygeos, os pseudoescorpiões e as scutigeros.
Essa criatura bizarra, é um amblypigeo esse é do gênero Trichodamon e foi fotografado nas paredes da Toca da Tiquara, apesar da aparência é totalmente inofensivo. Ele é um aracnídeo e como tal, não possui antenas porém, um par de patas é muito modificado  e funciona como órgão tátil.



Esse é o pseudoscorpião, ele tem as pinças e quelas como o seu parente mais famoso, mas, lhe falta a cauda com o ferrão, também não possui veneno. esse exemplar da família Chernetidae,tem tamanho diminuto não alcança um cm. e foi fotografado na Toca da Tiquara em 2011 pelo nosso amigo colaborador Ronald Carvalho.

Essa é uma scutigeromorpha foto enviada por Marcelo Vieira, fotografou em sua residencia em Cascavel - Ba. é um bicho muito rápido, só visualizei uma única vez em caverna mas, não consegui fotografa - lo.
Para não me alongar muito vou deixar os morcegos e outros grupos importantes da biologia subterrânea bem como  a ecologia da caverna para uma outra postagem, e vou finalizar falando sobre o Psyllopsocus que foi encontrado na Tiquara e que saiu na revista mundialmente importante.
Os invertebrados que possuem patas e um exoesqueleto de quitina são conhecido como Artrópodes, e dentre os artrópodes temos vários grupos como aracnídeos, os crustáceos e os insetos, o que diferencia um grupo do outro é principalmente a quantidade e forma de apêndices ou patas. Dentre os insetos todos possuem 3 pares de patas um par de antenas e podem ou não ter asas. Besouros, borboletas, moscas, abelhas são os insetos que estamos acostumados a encontrar no nosso dia a dia, entretanto existem muitos outros insetos e muitos deles pelo tamanho diminuto ou por ter habitats muito diferentes são conhecidos apenas pelos entomólogos, Neurópteros, Colêmbolos e Efemerópteros são exemplos desses insetos menos comuns.
 Entre esses insetos desconhecidos do grande publico estão os psocópteros, conhecidos como piolho de livros. Os psocópteros são muito pequenos variam de 1 a 10 mm as antenas são em forma de fio e possui duas asas membranosas dobradas sobre o abdômen. As formas juvenis conhecidas como ninfas não possuem asas assim como algumas fêmeas de algumas espécies. 
Os psocóptera podem ser encontrados em galhos ou troncos de arvores, em rochas, em produtos humanos armazenados incluído grãos, e em cavernas. 
Se alimentam de fungos, esporos, líquens e fragmentos de tecidos tanto de plantas quanto de animais.
Dentre os mais de 2000 espécies de Psocopteros os da família Psyllipsocidae são os mais frequentes em cavernas do Brasil, e foi um desses psyllipsocideo que foi recentemente descoberto com cristais minerais em suas asas. veja fotos abaixo dos Psocópteros.


Foto retirada do Artigo mostrando a visão dorsal de um Psyllipsocus macho, comum nas cavernas do Brasil o tamanho é de 1,5 mm da cabeça ao abdomem.

Foto retirada do Artigo: Em (a) vemos uma pilha de guano (fezes de morcegos) na Toca da Tiquara próximo ao salão do chapéu de duende, e em (b) vemos o detalhe do guano do morcego com os psocóptera os círculos brancos são as ninfas de psocópteros e em amarelo os indivíduos adultos.  

Foto retirada do artigo da Nature, mostrando o Psyllipsocus yucatan com asas negras repletas de cristais contendo ferro. esse é um macho com 1,3 mm


Para conferir o artigo original em inglês segue o link abaixo:

4 comentários:

  1. Parabéns por mais este artigo!
    Você vai longe!

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  2. A intenção do blog é mais registrar a história da espeleologia campo formosense do qual fazemos parte de forma atuante. Se tu tiver um tempo queria que vc e ronald escrevessem sobre a nossa aventura no buracão! mas que seja de forma realística sem a esculhambação contada nas suas histórias para os meus alunos. VAleu DIOGO

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  3. Valeu jovem, teu blog é um show. Fiquei encantado com as informações que tu passou pra nós.É isso ai vamos valorizar nossa terra, nossas riquezas.
    Um forte abraço

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